por
Bruno Shahini
8 min
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Publicado em
9/1/2025
Em 2024, o grande tema para a política monetária nos EUA foi, definitivamente, a inflação. O Federal Reserve (Fed) deixou claro ao longo do ano que a trajetória da política monetária seria dependente dos dados econômicos divulgados, e a queda da inflação ao longo do ano permitiu o início do tão aguardado ciclo de cortes de juros.
Vale lembrar que o Fed começou a aumentar as taxas em março de 2022, quando elevou a taxa dos fed funds, juro básico da economia, de quase zero. O primeiro corte do ciclo atual ocorreu apenas em setembro de 2024, marcando uma mudança significativa na política monetária americana e global em um mundo com maior inflação após a injeção de liquidez motivada pela pandemia de Covid-19. De março de 2022 (primeira alta) a setembro de 2024, foram 30 meses, um período longo, considerando o histórico de ciclos.
fonte: Factset. Data de consulta: 08/01/2025
Para 2025, o discurso do Fed parece ser o mesmo: agir em resposta aos dados econômicos. Aqui vale lembrar que, diferente do Banco Central brasileiro, o Fed possui um duplo mandato: deve perseguir a meta de inflação de 2% e também gerar um ambiente de baixo desemprego. Os dados têm sido ambíguos nesse sentido, pois vemos uma tendência clara de queda na inflação, o que cria uma pressão de baixa para os juros. Porém, dados de atividade fortes em muitos meses sugerem um juro de equilíbrio maior.
Ao que tudo indica, as políticas do presidente Donald Trump desempenharão um papel determinante para a evolução da inflação e do mercado de trabalho. As expectativas nos contratos negociados na Bolsa de mercado futuros de Chicago mostram uma taxa entre 3,75% e 4,00% para o final de 2025. Apesar da queda projetada pelo mercado, ainda estamos em um momento de taxas excepcionalmente altas se considerarmos os últimos dez anos. Prova disso é que, nesse período, as taxas ficaram acima de 4% em menos de 20% do tempo.
Distribuição das Taxas Fed Funds nos últimos dez anos
fonte: Factset. Data de consulta: 08/01/2025
O rendimento dos títulos do Tesouro americano de 10 anos é uma das variáveis econômicas mais importantes para o mercado global, influenciando não apenas os Estados Unidos, mas também países desenvolvidos, emergentes, empresas e indivíduos em todo o mundo.
Esse rendimento define o custo de oportunidade para qualquer agente que deseje emitir dívida em dólares. Além disso, ele serve como referência para avaliar quão atrativo está o mercado de ações em relação à renda fixa, influenciando o prêmio de risco associado aos investimentos em renda variável.
Dada sua relevância, uma análise mais detalhada dos fatores que determinam essa variável se faz necessário. A partir delas podemos analisar quais forças podem estar mais presentes no próximo ano:
A eleição de Donald Trump e as políticas econômicas que seu governo adotará certamente terão impacto nesse componente. Como a figura acima mostra, podemos dividir as expectativas de crescimento em dois fatores: Crescimento Cíclico e Estrutural. Ambas são determinantes das taxas de juros de longo prazo e são funções de variáveis que possuem dinâmicas particulares. Como estamos fazendo inferências para o ano de 2025, devemos deixar o componente estrutural do crescimento econômico em segundo plano, dado que ele é definido por variáveis de longo prazo como produtividade, demografia, advento tecnológico, entre outros.
O crescimento cíclico da economia americana deve passar por grandes mudanças nos próximos anos. O elevado déficit fiscal tem sido um tema central no mercado, com poucas iniciativas recentes para maior austeridade, tanto por democratas quanto por republicanos. Caso a tendência de aumento nos gastos permaneça, é provável que haja maior pressão nos juros americanos, uma vez que os gastos correntes do governo influenciam a demanda total da economia, enquanto a necessidade crescente de financiamento pressiona as taxas de juros para cima
No que diz respeito à inflação de longo prazo, acreditamos que pode ser um reflexo direto das políticas que os governos dos Estados Unidos adotarem para o futuro. As tarifas sobre importação têm efeitos inflacionários claros, dado que o imposto sobre bens de consumo é muitas vezes repassado aos consumidores e nem sempre há alternativas de produtos locais como substitutos . As restrições impostas ao mercado de trabalho nos EUA também podem afetar as expectativas de inflação ao aumentar o custo da mão de obra. Tais políticas podem implicar não apenas em uma inflação corrente mais alta, mas também na incorporação dessa inflação às expectativas futuras.
O gráfico abaixo mostra como os fatores mencionados anteriormente afetam os juros de longo prazo nos EUA. Nota-se que as taxas de juros estão em níveis elevados em comparação com os últimos 15 anos. A possibilidade de normalização para níveis mais baixos dependerá significativamente da evolução desses fatores. O cenário atual oferece uma janela de oportunidade para investidore em aproveitar esta fase de juros altos para investir na renda fixa americana.
fonte: Factset. Data de consulta: 08/01/2025
Até o momento, nosso foco foi analisar a renda fixa nos EUA a partir dos títulos públicos americanos. A característica central desses títulos é que eles não embutem risco de crédito; isso significa que são títulos onde não há compensação adicional por risco de inadimplência. Agora, nossa análise se volta para títulos de renda fixa corporativos, explorando como foi a dinâmica dessa classe em 2024 e quais são as perspectivas para o próximo ano. Assim como diferenciamos os juros de curto e longo prazo do Tesouro americano, é necessário separar as diferentes categorias dentro dos títulos de renda fixa privada. Neste caso, focaremos em títulos com grau de investimento.
A natureza dos ativos de renda fixa consiste em uma obrigação para umas das partes e um direito para a outra. Ao adquirir um título de renda fixa, o investidor tem direito contratualmente a receber juros periódicos e o principal investido ao final do contrato em datas especificadas, além de uma remuneração já fixada no momento da compra. O principal risco dessa operação consiste na possibilidade de inadimplência por parte do emissor, ou seja, no risco de crédito.
A existência do risco de crédito diferencia o investimento em renda fixa privada (emitido por empresas) e títulos do governo americano. O risco de crédito é precificado na renda fixa pelo que denominamos de spread de crédito, que representa o prêmio adicional pago ao investidor como compensação pelo risco de inadimplência do emissor. Esse spread é medido em relação à taxa de um título considerado livre de risco, como os títulos do Tesouro dos EUA.
Historicamente, a análise dos spreads de crédito e suas projeções têm o potencial de fornecer informações valiosas sobre as expectativas dos investidores, os ciclos econômicos e, naturalmente, o mercado de renda fixa. No gráfico abaixo, podemos observar a evolução dos spreads de crédito para títulos de grau de investimento (baixa probabilidade de inadimplência). Essa variável reflete os ciclos econômicos e as percepções de risco na economia. Durante a crise econômica de 2008, por exemplo, os spreads alcançaram cerca de 700 pontos-base. Isso significa que, enquanto um título do Tesouro apresentava rendimento de 3%, em média, um título de grau de investimento oferecia um retorno de 10%.
Atualmente, vivemos uma situação que pode ser considerada extraordinária também, com os spreads situados em torno de 80 pontos-base, o que corresponde às mínimas observadas nos últimos 28 anos. Isso reflete expectativas otimistas sobre o ciclo de crescimento econômico: os investidores projetam um ambiente de negócios favorável para as empresas em geral, com maior lucro e capacidade de pagamento, portanto, exigindo menores taxas para financiá-las.
Spread de crédito-ajustado títulos grau investimento
Porém, existe outro componente que nos auxilia a explicar essa conjuntura excepcional da renda fixa: a elevada demanda por títulos por parte dos investidores. A explicação, nesse caso, é mais simples: os investidores se importam mais com o nível dos rendimentos do que apenas com a diferença entre os títulos privados e os do Tesouro americano (spread de crédito). Estamos em um momento distinto do mercado, onde os rendimentos dos títulos do Tesouro estão muito elevados e a economia é resiliente, o que se reflete nos spreads de crédito. Essa conjuntura está gerando uma grande demanda por ativos de renda fixa por parte de investidores que desejam “travar” esse rendimento atual.
Abaixo podemos ver como o Bloomberg Aggregate Index, que reflete o desempenho de títulos de renda fixa de alta qualidade nos Estados Unidos, apresentou taxas historicamente baixas nos últimos anos devido fatores macroeconômicos diversos, como políticas monetárias expansionistas e taxas de juros próximas a zero. No entanto, com as recentes mudanças no cenário econômico e ajustes nas políticas do Federal Reserve, as taxas estão em patamares elevados, destacando oportunidades atrativas para investidores em renda fixa.
Bloomberg US Aggregate –YTM (%)
fonte: Factset. Data de consulta: 08/01/2025
Em 2024 observamos uma deterioração da percepção da trajetória dos gastos do governo brasileiro pelo mercado em geral. A piora dos ativos locais se deu principalmente no último trimestre do ano, com o mercado aguardando um pacote de contenção de gastos considerado insuficiente.
O resultado disso foi um grande aumento da percepção de risco, que se refletiu diretamente nos ativos domésticos. Na ausência de uma regra que mantenha a razão entre a dívida/PIB em uma trajetória de queda ou estabilização, o mercado ficou apreensivo quanto à sustentabilidade fiscal do país, agravando ainda mais a situação dos ativos locais.
Nesse sentido, pudemos observar o aumento expressivo nos rendimentos dos títulos soberanos brasileiros. A instabilidade política e a falta de clareza em relação às reformas estruturais contribuem para o aumento do prêmio de risco, impactando diretamente os custos de captação do governo. Esse processo pode ser observado tanto nos títulos dívida emitidos em reais quanto nos títulos emitidos em dólares conforme gráfico abaixo:
fonte: Factset. Data de consulta: 08/01/2025
O cenário para essa classe irá depender, em grande medida, da evolução das negociações do governo para o equilíbrio das contas públicas. Pode-se afirmar que se trata de um cenário binário: Por um lado, caso o governo consiga implementar medidas efetivas para controlar os gastos públicos, haverá uma redução na percepção de risco e diminuição dos rendimentos. Por outro lado, se houver dificuldades políticas para aprovar as reformas necessárias ou se medidas adotadas forem insuficientes para reduzir o déficit fiscal, a percepção de risco continuará elevada.
O desempenho dos bonds emitidos pelo tesouro brasileiro e também pelas empresas em geral estará intrinsecamente ligado à capacidade do governo brasileiro de alinhar suas ações a uma agenda fiscal sólida, transparente e com resultados concretos. O mercado continuará monitorando de perto os desdobramentos nesse sentido, ajustando os preços e rendimentos dos títulos de acordo com as perspectivas que se desenharem.
Em 2024, as empresas brasileiras retomaram o ritmo de captações no mercado de dívida externa. Em 2024, as emissões de dívida externa em dólar (bonds) por empresas brasileiras totalizaram US$ 22,8 bilhões. É o maior valor nos últimos três anos, que foram marcados pelo aumento da volatilidade local e externa, o que fez com que o volume de emissões anuais ficasse abaixo da média histórica.
As empresas brasileiras buscam emitir dívida em dólar principalmente para aproveitar o tamanho e a liquidez do mercado internacional, o que permite a captação de volumes de capital significativamente maiores em comparação ao mercado doméstico. Além disso, os prazos de vencimento das dívidas em dólar tendem a ser mais longos, pois os investidores internacionais estão acostumados com títulos de maturidade estendida. Emitir dívidas em dólares significa também reconhecimento de determinada empresa a nível internacional, visto que os investidores que subscrevem essas emissões normalmente são instituições como fundos, bancos e gestores de recursos.
A tabela abaixo mostra as principais emissões de títulos de dívida em dólares por empresas brasileiras no ano de 2024.
Bruno Shahini
Com 9 anos de experiência no mercado financeiro, atuou na Votorantim Asset e no Banco Daycoval, é economista formado no Insper e possui as certificações CFP® (Certified Financial Planner) e CGA (Gestão de Carteiras ANBIMA)
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