por
Nickolas Lobo
10 min
-
Publicado em
O setor financeiro é um dos grandes protagonistas do “Trump Trade”, com uma forte relação com o ciclo de taxa de juros e a expectativa de que um ambiente regulatório mais permissivo pode impulsionar a atividade de segmentos específicos de negócios. A seguir, discutiremos se essas expectativas se sustentam. O índice S&P 500 Financials subiu 28,5% no acumulado do ano , superando o ganho de 23% do S&P 500 no mesmo período.
Contexto
No início de 2023, o setor financeiro dos Estados Unidos sofreu uma breve crise desencadeada pela falência do SVB (Silicon Valley Bank) e de vários bancos regionais, posteriormente agravada com o colapso do Credit Suisse, que ocorreu no mesmo mês. Embora as consequências mais graves tenham se limitado às instituições que foram comprometidas pela fuga de depósitos devido à marcação a mercado dos ativos, que sofreram com cenário de alta de juros, os eventos geraram receios dentro de todo o sistema bancário, ocasionando em um maior prêmio de risco para as ações dos Bancos. Em outras palavras: parte do mercado procurou evitar o segmento.
Aos poucos, em 2024, a percepção de uma relação com a crise de 2008 começou a mudar e investidores descartaram a possibilidade de um colapso sistêmico mais amplo. Somado a isso, o cenário de juros mais altos poderia apresentar uma melhora mais representativa para o setor.
A queda das taxas de juros nos EUA é uma boa notícia para aqueles que estão financiando um carro, comprando uma casa ou expandindo seus negócios. No entanto, é um misto de boas e más notícias para os grandes bancos americanos, levantando preocupações sobre o impacto nos resultados financeiros. Isso acontece porque, quando as taxas caem, surgem dúvidas sobre a capacidade dos bancos de continuar gerando receita de juros líquidos (Net Interest Income - NII), que impulsionou tanto os lucros nos últimos dois anos.
A receita de juros líquidos (NII) mede o dinheiro que os bancos ganham ao emprestar, subtraindo o que pagam aos clientes. Bancos armazenam dinheiro, então taxas mais altas ajudam a aumentar seus lucros, assim como beneficiam os clientes que desejam poupar. Quando as taxas caem, os bancos ganham menos ao comprar títulos ou conceder empréstimos. Além disso, a queda nas taxas não afeta apenas a linha de NII. Ela pode sinalizar uma economia em desaceleração, onde menos dinheiro circula, menos pessoas desejam tomar empréstimos, e os saldos de cartões de crédito diminuem. Ao mesmo tempo, os bancos têm oferecido rendimentos elevados para clientes que mantêm seu dinheiro em certificados de depósito (CDs) e fundos de mercado monetário, e não podem simplesmente reduzir essas taxas só porque estão ganhando menos ao emprestar ou comprar títulos. Os rendimentos dos CDs provavelmente cairão eventualmente junto com as taxas, mas, no curto prazo, os bancos estão em uma posição difícil.
O que esperar?
A força do consumidor americano será testada em 2025. O consumo pode cair à medida que o endividamento pesa sobre as finanças pessoais. A dívida total dos consumidores atingiu um recorde histórico de US$17,7 trilhões no segundo trimestre de 2024. Isso ocorre em um momento em que as economias agregadas também estão diminuindo: estimativas recentes indicam que as economias excedentes acumuladas durante a pandemia foram totalmente esgotadas em março de 2024. Da mesma forma, os balanços das empresas podem estar menos robustos, como resultado de posições de caixa decrescentes e níveis mais altos de vencimento da dívida. Dito isso, a demanda por empréstimos pode melhorar, especialmente para hipotecas, à medida que as taxas caem e a demanda aumenta. No entanto, o crédito rotativo e os empréstimos para automóveis podem apresentar crescimento lento, já que os consumidores enfrentam maiores pressões financeiras. Além disso, a incerteza em torno da trajetória das taxas de juros pode levar alguns consumidores a adiar grandes compras, desafiando o volume de empréstimos ao consumidor dos bancos.
Por outro lado, taxas mais baixas podem incentivar os clientes bancários a manter seu dinheiro em contas se os rendimentos do Tesouro e os dividendos das ações caírem junto com as taxas de juros. A redução nas taxas também alivia os níveis das hipotecas, o que pode agitar o morno mercado imobiliário dos EUA e atrair mais clientes em busca de empréstimos para compra de imóveis.
Embora o NII tenha sido um bom impulso para os bancos, ele tende a flutuar ao longo do tempo, dependendo da trajetória das taxas de juros. Isso significa que os bancos precisam continuar focados nas atividades fundamentais para crescer: atrair depósitos, conceder empréstimos e lucrar com operações de mercado, como fusões, aquisições e ofertas públicas iniciais (IPOs). Essas atividades podem ganhar importância, limitando a necessidade de bancos se apoiarem no NII para atingir metas.
Por isso, os próximos balanços trimestrais receberão uma atenção especial dos investidores.
Outras fontes de receita
Os próximos meses são uma incógnita para os bancos. Se o crescimento desacelerar e o Federal Reserve continuar cortando as taxas no ritmo que o mercado espera isso pode dar um destaque, na área de Investment Banking Division (IBD), com foco especial em atividades de fusões e aquisições (M&A) e ofertas públicas iniciais (IPOs) vide que um cenário de taxas mais baixas pode impulsionar o mercado de ações,criando uma demanda adicional por IPOs.
Nos últimos três anos, o mercado de M&A apresentou flutuações significativas. Em 2021 e no início de 2022, o volume de negócios atingiu níveis recordes devido à baixa inflação, economias sólidas, lucros robustos das empresas e, especialmente, taxas de juros historicamente baixas. No entanto, a política agressiva do Federal Reserve para combater a inflação, iniciada em março de 2022, o aumento do custo de capital, a maior incerteza econômica e os conflitos geopolíticos levaram a uma forte queda nas transações.
Em termos de números acumulados no ano (YTD), 2024 se saiu relativamente bem, com o valor e o volume de negócios aumentando em 19% em relação ao ano anterior. O crescimento foi particularmente notável na faixa de valores entre US$ 1 bilhão e US$ 10 bilhões, que registrou 229 negócios em 2024 contra 188 em 2023 e 184 em 2022. O aumento no valor das transações é um sinal de otimismo cauteloso, com os negociadores se engajando em M&A, apesar de desafios externos, como taxas de juros ainda elevadas — apesar de uma recente redução — inflação persistente, instabilidade geopolítica e maior fiscalização regulatória.
De forma geral, a perspectiva para M&A é positiva, já que os fundamentos permanecem sólidos. A expectativa é de crescimento na atividade de fusões e aquisições, impulsionada por lucros corporativos robustos, inflação se estabilizando e mercados de dívida mais saudáveis, além da melhoria nas condições de financiamento, com custos de empréstimos mais baixos e a redução da lacuna de avaliação.
Outro fator positivo pode vir da atividade de Private Equity (PE). De acordo com a S&P Global, o dry powder (capital não comprometido) acumulado por essas instituições cresceu aceleradamente no primeiro semestre de 2024, mesmo com o ambiente de M&A em melhora, abrindo mais oportunidades para alocar esse capital em aquisições e outros negócios.
Os fundos globais de private equity e venture capital detinham um recorde de US$ 2,62 trilhões em capital não comprometido em 10 de julho de 2024, de acordo com dados da S&P Global Market Intelligence e Preqin. Os fundos adicionaram US$ 49,44 bilhões às suas reservas de caixa nos seis meses desde dezembro de 2023, mais de 1,7 vezes os US$ 27,97 bilhões em dry powder adicionados no período de 12 meses anterior.
Após um aumento na atividade de IPOs em 2023, com nomes como Instacart, Klaviyo e Birkenstock fazendo sua estreia no mercado de ações, o mercado de IPOs dos EUA continuou sua recuperação gradual em 2024. Até o momento, a atividade de IPOs em 2024 está forte, com os recursos arrecadados no acumulado do ano já superando os números de 2022 e 2023. No entanto, o número de IPOs de unicórnios diminuiu de 13 nos três primeiros trimestres de 2023 para oito no mesmo período de 2024, devido à menor liquidez e aos custos de capital mais altos, fatores que desempenharam um papel significativo na redução. Essa situação reflete o ambiente macroeconômico, que levou algumas empresas unicórnios a adiar sua abertura de capital até que as condições de mercado melhorem.
Em 2023, os *exits* de private equity caíram 17% em relação ao mesmo período de 2022 e 18% em comparação com 2021. Segundo a RSM Global, isso mudou a base do portfólio ao longo do ciclo de investimentos, com mais empresas na fase de "maturidade e saída" (possuídas pela casa de PE por mais de 3 anos) do que nunca, o que, por si só, pode beneficiar tanto a atividade de M&A quanto a de IPOs.
Outros Possíveis Impulsionadores
Embora o segmento de consumo não demonstre, necessariamente, dados fundamentais sólidos para impulsionar um crescimento significativo, dado o enfraquecimento das condições financeiras, ainda existem fatores não relacionados a juros que podem aumentar os lucros.
A gestão de patrimônio, por exemplo, pode se tornar um catalisador não relacionado a juros para os bancos em 2025. É importante lembrar que, apesar do grande crescimento observado nos últimos anos, desde 2022 o setor passou por uma contração significativa e não apresentou sinais de uma possível recuperação. No entanto, o mercado ainda é altamente fragmentado, com os grandes bancos detendo menos de 35% de participação de mercado. Em uma perspectiva de longo prazo, os bancos poderiam se beneficiar de movimentos como o open banking, *bank-as-a-service* (BaaS), com bancos e fintechs utilizando cada vez mais APIs (interfaces de programação de aplicativos) para compartilhar informações e oferecer serviços personalizados baseados em IA.
A escolha dos indicados pelo novo governo pode diluir ainda mais a polêmica proposta do "Basel III Endgame", que visa exigir que os grandes bancos mantenham mais capital para se proteger contra empréstimos inadimplentes.
O *Basel III Endgame* É um conjunto de regras que busca fortalecer a regulação bancária e aumentar o montante de capital que os bancos devem manter. Essas regras fazem parte de uma série de medidas desenvolvidas pelo Comitê de Basileia em resposta à crise financeira de 2007-09.
De forma geral, as mudanças propostas eliminam potenciais impactos negativos nos modelos de negócios de muitos bancos americanos. A nova proposta remove alguns dos padrões mais rigorosos, conhecidos como “gold-plating”, que eram mais altos do que os recomendados pelo Comitê de Basileia. Embora as novas regras sejam menos rígidas do que as originais, ainda são possíveis novas alterações.
Apesar de os bancos já terem conquistado concessões significativas nessa proposta — argumentando que ela limitaria o crédito e prejudicaria a economia —, o mais recente rascunho ainda aumentaria os requisitos de capital em cerca de 9% para os maiores bancos, de acordo com um alto funcionário do Federal Reserve.
Esta possível flexibilização regulatória pode beneficiar os grandes bancos, permitindo-lhes mais liberdade para alocar capital de forma mais agressiva, o que pode aumentar seus lucros, especialmente em um cenário onde as margens de juros são pressionadas pela queda das taxas.
Olhando para 2025 é importante analisarmos que a queda nas taxas de juros beneficia financiamentos, mas prejudica o lucro dos bancos devido à redução na receita de juros líquidos (NII). A diminuição nas taxas pode sinalizar uma desaceleração econômica afetando empréstimos e saldos de cartões de crédito. Bancos podem enfrentar desafios para manter taxas competitivas em Certificados de Depósito (CDse fundos de mercado monetário.
O fim de 2024 pode ser marcado por um crescimento econômico mais lento e queda nas contratações e fraqueza no setor de manufatura. Além disso, a dívida total dos consumidores atinge US$ 17,7 trilhões em 2024, enquanto poupanças acumuladas na pandemia foram esgotadas. O que por sua vez pode gerar uma possível queda no consumo em 2025 devido ao endividamento crescente e diminuição das economias.
Mesmo com a queda do NII, os bancos podem ver uma aceleração de mercado em fusões e aquisições (M&A) e aberturas de captal (IPOs). Com mais desafios, ainda apresentam bons indicativos de longo prazo com Wealth Management (gestão de patrimônio) e possiveis nova fonte de receita, com o avanço do open banking.
Olhando para Fusões e Aquisições (M&A) e IPOs, 2024 apresentou um crescimento de 19% no volume de deals em M&A em comparação a 2023, impulsionado por taxas de juros menores, mostrando uma melhora no sentimento. Além disso, houve um crescimento significativo do dry powder (capital não comprometido) do Private Equities para US$ 2,62 trilhões no primeiro semestre de 2024, aumentando oportunidades para aquisições. Para IPOs, a Recuperação vimos uma melhora gradual do mercado em 2024, apesar de menor liquidez e custos de capital mais altos, além de um cenário com saídas de Private Equity se recuperando das mínimas.
Em relação as perspectivas regulatórias, o debate sobre a implementação do “Basel III Endgame”, que exige mais capital dos bancos para proteger contra inadimplência, pode apresentar uma flexibilização dessas regras com a administração Trump, permitindo maior liberdade para os bancos alocarem capital e aumentar lucros em um ambiente de margens pressionadas.
Seleção das maiores companhias que tem exposição a tese e o consenso do mercado em relação às companhias consolidado pela Factset:
JPMorgan Chase & Co. (JPM) é uma holding financeira que presta serviços bancários e de investimento. A empresa oferece uma gama de produtos e serviços de banco de investimento em todos os mercados de capitais, incluindo consultoria em estratégias corporativas e estruturação, captação de recursos em mercados de ações e dívidas, gestão de riscos.
Bank of America Corp.(BAC): É uma holding bancária e financeira que oferece serviços bancários e não bancários. Opera por meio dos seguintes segmentos: Consumer Banking, Global Wealth and Investment Management (GWIM), Global Banking, Global Markets e outros.
Wells Fargo & Co.(WFC): É uma empresa de serviços financeiros diversificados que opera por meio dos segmentos: Consumer Banking and Lending, Commercial Banking, Corporate and Investment Banking e Wealth and Investment Management.
The Goldman Sachs Group, Inc. (GS): Oferece serviços financeiros, operando por meio dos seguintes segmentos: Global Banking and Markets, Asset and Wealth Management e Platform Solutions. O segmento Global Banking and Markets inclui banco de investimento, investimentos globais e investimentos em ações e dívidas. O segmento Asset and Wealth Management está relacionado aos serviços bancários diretos ao consumidor, incluindo empréstimos, depósitos e investimentos.
Morgan Stanley (MS): opera como uma empresa global de serviços financeiros. A empresa oferece produtos e serviços de banco de investimento para empresas, governos, instituições financeiras e indivíduos. Opera por meio dos seguintes segmentos: Institutional Securities, Wealth Management e Investment Management. O segmento Institutional Securities fornece serviços de consultoria financeira, captação de recursos e financiamento relacionados para investidores institucionais.
Citigroup, Inc. (C): É uma holding que fornece produtos e serviços financeiros. Opera por meio dos seguintes segmentos: Global Consumer Banking, Institutional Clients Group e Corporate. O segmento Global Consumer Banking oferece serviços bancários tradicionais para clientes de varejo, incluindo banco comercial, cartões de crédito Citi e serviços de varejo Citi. O segmento Institutional Clients Group fornece uma gama completa de produtos e serviços de banco de atacado para clientes corporativos, institucionais, do setor público e de alto patrimônio líquido em todo o mundo.
Blackstone, Inc. (BX): Oferece serviços de gestão de investimentos e fundos. Opera por meio dos seguintes segmentos: Real Estate, Private Equity, Credit and Insurance e Hedge Fund Solutions. O segmento Private Equity inclui gestão de fundos de private equity corporativo, fundos de private equity focados em setores e múltiplas regiões geográficas. O segmento Hedge Fund Solutions foca na Blackstone Alternative Asset Management, que gerencia uma ampla gama de soluções de fundos de hedge combinados e personalizados.
KKR & Co., Inc.(KKR): Opera como uma empresa de investimentos. Oferece gestão de ativos alternativos, bem como soluções de mercados de capitais e seguros. Os segmentos de negócios incluem Asset Management e Insurance Business. O segmento Asset Management fornece private equity, ativos reais, estratégias de crédito e líquidas, mercados de capitais e atividades principais. O segmento Insurance Business oferece soluções de aposentadoria, seguro de vida e resseguros para clientes individuais e institucionais.
Usando o consenso das projeções fornecidos pela Factset, quando olhamos para o setor como um todo, podemos observar que a relação de crescimento esperado de lucro por ação (Earnings per Share - EPS) e múltiplo das companhias, o setor se posiciona abaixo da linha de regressão do que é apresentada para o S&P 500, o que significa que, para um mesmo nível de crescimento, o setor negocia abaixo do S&P.
O setor financeiro é um dos grandes protagonistas do “Trump Trade”, com uma forte relação com o ciclo de taxa de juros e a expectativa de que um ambiente regulatório mais permissivo pode impulsionar a atividade de segmentos específicos de negócios. A seguir, discutiremos se essas expectativas se sustentam. O índice S&P 500 Financials subiu 28,5% no acumulado do ano, superando o ganho de 23% do S&P 500 no mesmo período.
Nickolas Lobo
artigos
Agradecemos seu interesse em receber nossos conteúdos.
Ops! Algo deu errado em sua inscrição. Por favor, tente novamente.